Como observa o tributarista Leonardo Manzan, a reforma tributária reacende o debate sobre a tributação de serviços considerados essenciais, como água, energia elétrica e transporte público. No modelo atual, esses serviços estão sujeitos à incidência de ICMS e, em alguns casos, de PIS e Cofins, o que resulta em uma carga tributária elevada que afeta diretamente o consumidor final.
Com a criação do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), a expectativa é que o novo regime busque maior uniformidade e simplificação, mas também levanta dúvidas quanto ao tratamento que será conferido a setores fundamentais para a vida da população e o funcionamento da economia. A forma como esses serviços serão enquadrados influenciará diretamente o custo e a acessibilidade desses bens à sociedade.
Serviços essenciais e a possibilidade de alíquotas diferenciadas
A proposta de reforma admite, em caráter excepcional, a adoção de alíquotas reduzidas para determinados bens e serviços considerados essenciais. Conforme ressalta Leonardo Manzan, esse critério, no entanto, ainda depende de regulamentação específica e pode variar conforme decisões políticas e econômicas tomadas durante a fase de implementação do novo sistema.
No caso da energia elétrica, por exemplo, já existe jurisprudência que reconhece seu caráter essencial. Ainda assim, sua tributação é frequentemente superior à de produtos supérfluos. A mesma lógica se aplica ao transporte coletivo e ao fornecimento de água, que, apesar de indispensáveis, muitas vezes enfrentam cargas tributárias incompatíveis com sua função social. A expectativa é que o novo modelo corrija essas distorções.
Riscos de aumento da carga tributária e impactos no consumo
Apesar da promessa de neutralidade, há preocupações de que a reforma possa gerar, na prática, aumento da carga tributária sobre os serviços essenciais, caso as alíquotas diferenciadas não sejam efetivamente aplicadas. Leonardo Manzan destaca que isso pode comprometer a política de modicidade tarifária, especialmente nos setores de saneamento e transporte, prejudicando camadas mais vulneráveis da população.

Outro fator de risco está na definição da base de cálculo dos novos tributos. A depender do enquadramento adotado para encargos setoriais e tarifas reguladas, pode haver a inclusão de valores hoje não tributados, elevando o custo final dos serviços. Isso exigirá atenção dos reguladores e dos legisladores na formulação das leis complementares.
Implicações federativas e disputa por receitas
A tributação sobre serviços essenciais também impacta diretamente a arrecadação de estados e municípios, que, no modelo atual, possuem autonomia para definir alíquotas de ICMS e ISS sobre esses itens. Com a centralização da arrecadação no IBS, há risco de perda de controle sobre fontes de receita significativas, o que pode gerar resistência por parte dos entes subnacionais.
Leonardo Manzan aponta que, para mitigar esse impacto, será necessário estabelecer mecanismos de compensação adequados e garantir que a redistribuição da receita preserve a capacidade de financiamento de políticas públicas essenciais. A aplicação de alíquotas reduzidas, sem uma base de compensação sólida, pode desorganizar as finanças locais e comprometer a prestação de serviços à população.
Caminhos possíveis para um modelo mais justo
A adoção de critérios técnicos para definir o que são serviços essenciais, combinada com uma política de alíquotas realmente reduzidas e estáveis, pode contribuir para um modelo tributário mais justo. É fundamental que a regulamentação seja clara, evite ambiguidades e permita previsibilidade às empresas que atuam nesses setores.
Leonardo Manzan conclui que o novo regime precisa equilibrar eficiência arrecadatória com justiça fiscal. Serviços como energia, água e transporte são pilares do desenvolvimento humano e não podem ser tratados apenas sob a ótica da arrecadação. Um sistema tributário moderno deve refletir os valores sociais que pretende proteger.
Autor: Lissome Pantor